terça-feira, 27 de julho de 2010

em coma


sou um filósofo
dos tempos poéticos do caos

todo dia
rasgo páginas
de livros
vou pra rua
e as ofereço à vira-latas famintos

não sei nada
sobre saciedade
mas até hoje
nunca comeram
minhas páginas

então as colo
em postes
e escrevo:

procura-se alguém faminto

talvez alguém leia

na melhor,
coma

sábado, 24 de julho de 2010

doce horizonte


ela lá
brincando em leve torpor
de se misturar
com o céu

eu aqui
brincando com seriedade
de me fundir
com a terra

distantes
que só

e sós

até que veio
o horizonte

em sua infinita maestria
e nos beijou

quinta-feira, 22 de julho de 2010

gritar para o espelho


entre as quatro paredes da vida
cada movimento
por mais delicado que seja
revoluciona o cosmos

soterra medos
ou os rasga com clareza para o mundo

espanta tédios
ou os faz vivos em cheiro na carne

agita os sabores
explodindo-os em pingos de êxtase
a colorir corpos ao redor

mas vez em quando
há um arrebate no caos

dos incompreendidos dissabores

sereno cuidado nessas horas
nesses movimentos

brincadeiras com os desejos
surpreendem mais
que sorrisos sem pretensão

- e olhe que esses já surpreenderam tanto... -

respire com cautela
mas sem medo
sinta o vapor de sol
na nuca

nunca se vire,
sinta
apenas

os raios
soarão como mãos em doce amparar

um alento quente
nas horas desfiadas do sangue nosso de cada dia

sábado, 17 de julho de 2010

a sorte está queimada


e fez-se fogo
o salão inteiro
incendiado

aqueles corpos
se jogando nas mesas
as bocas se entrecortando ruidosamente
por entre os garfos
facas
os cortes confusos
se esticando nas labaredas de nossos
temores

nada em frenesi
tudo em frenesi

e a voz universal
de todos os nossos atônitos santos
brada em fervor:

- Existir é brincadeirinha
de luz fogo amor
a se extasiar
em danças rituais
sobre nossas
cabeças hesitantes!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

parto natural


fiz um filho
em mim mesmo

batizei-o
com um grito

todos
ao pronunciarem seu nome
dançam ao bailado dos ventos
num carinhoso transe
vibrante

ao redor
sons orgânicos abrindo frestas
onde só há concreto

esse filho
já é pai

subverteu-se deus
por conta própria

na falta de materialidade divina
resolveu-se deus
dignificando-se nada

hoje
desprendeu-se dos enganos
das dúvidas corpóreas
ou daquelas distrações forjadas

agora
é só
som
e
grita
livre

sábado, 10 de julho de 2010

brilhante


as estrelas são feitas de papel
moram no coração da gente
e foram feitas por crianças
que são ninguém mais
ninguém menos
que nós mesmos
antes de descobrirmos
que o sorriso
pode ser
de plástico

não nos rasguemos mais
nos permitamos brilhar
apenas

sexta-feira, 2 de julho de 2010

magnus opus


sou um godard tropicalista
nadando nu
no piscinão de ramos
criando conceitos
sobre
arrepiar os pêlos
facas cegas nas laranjas
e pigarros reprimidos em sala de aula

meu grande sucesso
bóia há três dias
numa privada
em plena praça pública

um feitiço excitado
sabotou a companhia d'água
gozação danada

sem descarga

uma população inteira
presta solidariedades
ao fétido monumento
à vibrar odores na praça

e eu voando
junto aos patos brancos
do jardim botânico

invisível