domingo, 15 de julho de 2012

memória lacrimal



sete passadas no chão arenoso
daquelas memórias de outrora

não há como perguntar
aos cadáveres
desgastados dos tempos
qual é a cor
moradora da casa do esquecimento

as articulações se movem em vão
os pensamentos se articulam como músculos em exercício
dão largas braçadas
mas nadam
nadam
nadam
e nada

o passado não foi em vão
o futuro não será em vão
será o presente, o vão entre eles?

essas brincadeiras com os tempos
e suas injeções de atualidades endovenosas
contaminam as naturezas mortas
e já não expõem
tantos esquecimentos assim
nas paredes dos museus

há um cheiro de fruta
apodrecendo na fruteira abandonada da casa
a cozinha que mora ali
é um órgão do corpo?
as memórias pré-cozidas
são passíveis de digestão?

qual é a palavra certa
para um excerto certo?

os excertos tatuados nos poros da pele
em devaneios
reminiscências
delírios
esquecimentos
ainda irão apalpar fogo no horizonte
passado presente futuro
se queimando no firmamento

cabeça
é coisa impalpável
é simulacro onírico
travestido de realidade
se prostituindo
nos asfaltos verticais desse corpo-mundo
vomitando prédios e janelas
nas facetas dos dias em branco

no prontuário das memórias do mundo
não há nada escrito
mas está tudo ali
e as traças o deixam carcomido
amarelado
antiguidade cheirando a guardado

esquecer-se
é jogar o prontuário em branco
no oco
dos arquivos mortos
que
resignados
não se ressuscitam

há uma lápide-mãe erguida imponente
na entrada do cemitério
nela,
alguns dizeres ilegíveis
talvez um delírio
quiçá um poema inacabado

de qualquer forma
é passado
e a memória lacrimal
insiste em vibrar
sem explicações
a intangível lembrança
carimbada na palavra
amor

sábado, 7 de julho de 2012

poema pelado



é possível apreender um sobressalto?
é possível mijar na quina do horizonte?
e o canibalismo dos rincões atléticos de nossas pernas?
--------------------------------------------------------------------------------fluem?

o apito do trem passante pode mesmo salvar uma vida?
a neblina das irrequietas ilhas estomacais, mexem mexas na anestesia capilar?

(percurso zombeteiro afetivo envenenando a íris da palma da mão)

a garganta que emudece nossos pensares, já arrotou fedores hoje?
um coração excitado pode vomitar sangue no tapete vermelho?
há no mundo línguas genitais?

um chute vulgar desponta pelado no seio da palavra nudez: peitos.

vale lembrar,
antes de ser preso,
o poema havia saído pelado pelas ruas

segunda-feira, 2 de julho de 2012

ad aeternum



arrastam os céus ad aeternum no inferno dos dias

dias e dias
e o asfalto quente evapora ratos pelos bueiros

caminhos se confundem
as cabeças da urbe estão caducas
cabelos grisalhos almejam a calvície inocente
dos recém-nascidos

do cabelo que não é meu, só vislumbro fantasias

há falta de roupas no cabedal do silêncio
há cheiro de comida putrefata nas sarjetas
há um temor desconhecido arrastando inertes corpos de uma porta à outra

uma luta dos músculos se irrompe nas veias dos prédios

ninguém nunca entendeu os argumentos do cinza no abstrato:
névoa de concreto pelas manhãs

os juízes interromperam a luta
penduraram as chuteiras
nas nuvens que anoiteciam de cinza
o verde daquela tarde
e foram embora
eternizando o cinza
em uma burocrática lápide de cimento

mas mesmo assim
as crianças insurgem lucidez na esquizofrenia dos dias

seus passos sorriem no gramado,
sorriem a limpidez dos timbres da despretensão

seus castelos invisíveis beijam, libertários,
o futuro escondido sob as asas do tempo

o pôr-do-sol vibrará vento nos cabelos
já consigo sorrir
infantil