domingo, 26 de dezembro de 2010

o fim é um cara


o fim se destrincha imponente
carregando o peso do mundo consigo
desfilando provocativo
olhando nos olhos com avidez de pássaro caçando
pescando em cada olhar que vive
todas as lágrimas ainda não caídas
e bebendo-as até se embriagar de excesso de fins

no fim de tudo
o fim não passa
de um bêbado gritando na madrugada
clamando pra si todas as dores choradas
todas as dores vividas
nos quartos, nas noites, no fundo do copo
no silêncio do peito que grita
no imenso outro que há em todos nós

o fim
se sentiu caindo eternamente
e aquele vento nos cabelos
tranbordando durações de incessante queda
era seu único suporte

mas desgrenhou todas as idéias
e
foi
o
fim

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

salivação


a leveza
de uma tonelada
de vapor de chuva
pairando sobre minha cabeça
produzindo poesias silenciosas

é a solidão que estica exageros
até que a cabeça chova toda

paredes falam muito
às vezes até
caem

e não há telhado
que não deixe escapar
o silêncio do suspirar
a sós

na ponta da língua alguns rastros,
a saliva das lembranças recebeu um denso nome:
madrugada

intempestiva tempestade pela metade
solidão é sempre inteira pela metade

domingo, 19 de dezembro de 2010

meus amigos


meus amigos corromperam minhas idéias
minha forma de pensar
sacudiram meu corpo até esquecer-me que tenho de fato um corpo


me livraram de moralismos e verdades prontas com lambidas públicas nada pudicas

chocaram todos ao redor com canções inusitadas
sobre a beleza da embriaguês mergulhada na mais densa e nada pura nudez

meus amigos foram meus melhores inimigos
advogaram pelo diabo sempre que estive por cima
só pra me colocarem por baixo
lá em baixo chafurdamos juntos como crianças no barro
quando voltamos à realidade, já embriagados de terra,
derrubamos paredes, assassinamos professores, apertamos campanhias
e não corremos
gritamos de corações atados nossos crimes para o mundo inteiro ouvir
e ganhamos forças

meus amigos me ensinaram a ser contraventor em dias de chuva
queimando guarda-chuvas em praça pública só para que nessas chamas, pudéssemos acender cigarros
e apagá-los logo em seguida, nas gotas que do céu caíam
desapego bobo, mas sabíamos pela solidez da fumaça se esvaindo, a perenidade das coisas

em dias de sol, andávamos nus pelos corredores da faculdade
olhando densamente nos olhos de cada olhar dirigido a nós

ninguém jamais acreditou em mim e em meus amigos
nós também nunca acreditamos em nós mesmos
aliás, nunca paramos pra pensar sobre isso
nunca fomos coerentes, a incoerência sempre frutificou mais possibilidades e dúvidas
e daí pra frente todo o futuro nos tecia teias de surpresa, extremos delírios lindos à ceu aberto
não tinhámos certeza de nada, mas sabíamos algo sobre o tudo

certo dia, nos perguntaram se conseguiríamos levar a vida a sério
olhamos silenciosamente um pro outro, todos já sabíamos de antemão a resposta
e o melhor a ser feito, era jamais responder pergunta tão disparatada

cada amigo meu
sempre foi meu melhor amigo
e, libertários ao extremo, esquizofrenizaram belas coreografias de dança em palcos escuros
só para provar que os melhores públicos, são públicos imaginários

meus amigos me ensinaram o que é o amor
praticamos o amor livre, o amor doentio, um amor apegado, outro desapegado, amores solitários, amores silenciosos...
percebemos então que a rima com a dor pulsará sempre em todos eles
foi quando pixamos nos muros da cidade que todos os amores são um só: o amor

meus amigos são o amor
eu sempre sou meus amigos
e o amor sempre será o mundo
nos abraçamos todos não foi à toa,
o dia será de fato,
muito mais ensolarado
com sombras boas
e vento no rosto


sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

o nó, ou nós


agora foi

olho pra trás e vejo o futuro
afiando seus dentes
pra derradeira mordida apocalíptica

mas nem tanto

olho pra frente
e as asas em chamas do horizonte
insistem em escapar pelos dedos do mundo
coisa grande assim
exige rastros

a sombra do cosmos se esticando
até tocarem as testas desatentas
de um sonhador aqui
um poeta acolá
amarrados juntos-distantes pelo nó da luz da manhã

eu
nós

no raiar do dia
uma canção

a sala de espera da vida
canta
lotada de futuros

fica no ar a verdade
solidificada num delicado bailar
de uma corda
aguardando ansiosa
alguns nós

eu
nós

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

algum lugar bem próximo


circulando pela autopista multicolorida
de minhas pirações matutinas

no limiar do acordar
não me atrevi a abrir os olhos

pesquei algumas idéias
que brincavam com o estepe dos vazios da alma

sabe o que disseram?

coma fruta madura com os pés na terra
as unhas devem ter barro incrustado
nada de preocupação com limpeza
a terra nunca foi sujeira

é néctar denso, suave pisar

a pureza de uma poesia não pensada
embriagou-me com palavras poucas
tão leves, evaporaram na memória

ainda de olhos fechados
preparei a matula
e saí

dormi
e nunca mais voltei
desmemoriado

sem destino
e sorrindo muito

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

suave pouso


os olhares
são todas as cores do mundo reunidas
implorando para serem pintadas
em telas que são
corpos, paisagens, pensamentos
pintam como comida quente cheirando a casa inteira

e o piscar
foi bela invenção da alma
para que nessas pinturas
nunca faltasse
nenhuma gota
de amor

quando pisca
o olho altera a relação tinta-tela
momento de hesitação catártica

como a criança correndo no parque
tão veloz
nem percebe o tropeço e a queda
só há o roxo da perna
e o suave acalanto dos pais
tão veloz que já dorme
e sonha

é naquele delicado instante de hesitação
antes da queda, quando se pisca
que amores se bordeam
e as cores se exaltam

o casal se despede
deixando um no outro
suas mãos
apenas com um olhar
eterno, imenso

indo embora
cada um para um lado
juntos no sem fim

a paisagem parece enfim desenhada
tudo é contemplação
um suspiro recheia o ar com leve admiração

alguém pisca

e as
cores se
trans
bordam
a tela
ganha
vida

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

coro


pescando conchas de pensamentos arremessados no espelho
o mar se abriu inteiro ali em frente

parecia até moisés abrindo o mar vermelho

mas era um espelho

e a tendência a vibrar indistintamente
mar
e espelho
só pode dar em música,
tão úmida ela
que já tem pretensão
a choro

de corpo todo rente à imagem especular
é lindo espetáculo esse oceano som
sorrindo ondas de arrebate infinito

um suor danado
salgando o choro na mesa do olho

e uns acordes mergulhados no ar
procurando coro

sábado, 20 de novembro de 2010

na lixeira


quando a fúria de um monstro me tomou por invisível
sumi

até hoje não me encontrei

rastros de sangue no ar
em viscosa rarefação
dão algumas pistas do paradeiro
abrem sensitivas portas
densas e de bruta atividade

contudo caminhos começam
a percorrer meu corpo

o difícil é respirar este ar
rarefeito sangue

mas respirar assim
tem sido trabalhar
um olhar tato nas coisas

nesse olhar,
perdi o monstro de vista
ou de vida

talvez ali ele me encontre
e daí eu me perco de vez
achando por fim
um outro

eu
ou
tro

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

cheiro quente de café nas manhãs


o dia passou o dia aqui
me transbordando de agoras

o anoitecer trouxe alguns ontens

costurei idéias no horizonte
como quem fixa pensamentos
em suavidades de lua toda força

luz prateada recheando o ar de eletricidade

o dia amanhacerá eus


os sóis das manhãs
e suas tendências
a me serem alma cheia
já me transbordam muitos amanhãs

tudo o que passa fica
nesse corpo que ora pretende
ser ele próprio estrada, ponte, construção

pego o volante e entorto a estrada
luz também faz curva

sábado, 6 de novembro de 2010

alma torta


fabulosidade inventada:

um silêncio tortuoso entortando
as bordas de tudo o que desenho

vez em quando


sou simples
a vida também

nós juntos
é que nos complicamos

muitos caminhos
até que se ache
um bem

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

poderia


correndo na chuva
coração em mãos
cigarro molhado na orelha tentando me fumar

acendi duas velas me abrigando em uma marquise

as pessoas passavam

até que um cachorro parou
e dançamos juntos como quem não se preocupa com nada

as velas se apagaram
e todos como num choque decisivo de compreensão imediata
dançaram uns com os outros

despiram-se todos os pecados do mundo
a chuva transbordava sensações quentes
canalizadas em todos os poros que ali se debatiam em frenesi

nossas animalidades:
na vida não há maior sinceridade

no cálido abraço entre nosso caos interno
e as tensões inocentes que nos pintam do lado de fora
somos mais vivos
mais primais até que os pêlos eriçados desse mundo cão

amanhã pela manhã
meu uivo vai se acasalar com os raios solares

filhos bichos de luz
nunca mais irão trabalhar

falam por aí sobre uma desumanização geral da vida
nos humanizemos então
mas que seja
sendo os mais densos animais gritando na chuva

lindas novidades
rasgarão o ar com cores impensadas
os bebês darão seus primeiros sorrisos
micro explosões de flores em nossos corações nos dirão algo
um som elegante de pele suada ficará no ar

e enfim
um silêncio
o silêncio

domingo, 31 de outubro de 2010

barulhinho no escuro


quero poesia estranho corredor escuro
que corre em veias mortas de tanta vida

vez em quando um potente som abafado
pinta de paixão as cores de uma poesia

caminhar nesses corredores
faz cócegas nas almas dos homens mortos
derruba suas paredes de ferro medo hesitação

vamos gritar para todos os pássaros
os desejos lascivos mais humanos possíveis
no ritmo extasiante de todos os corações
tambores desses tempos mais findos que vindos

que se libertem em glória
todas as solidões que mentem caladas
as dores desses mundos farfalhando em chamas

poesia é gozo ambicioso querendo respirar
abre portas janelas telhados cabeças corpos e paisagens
até que neles,
more a mais rasgada fonte sensitiva
presente no mais simples encontro explosão

lágrima que se arrebenta no chão

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

pra começar


sempre começo
com um talvez

o depois,
é só depois

até lá
vivo

terça-feira, 26 de outubro de 2010

um nó, ou vários


me chame de qualquer coisa
meu nome hoje é o mundo
talvez eu seja de fato
o sempre o tudo e o nada
ou talvez eu seja apenas um não
só não me venha com sins
pois hoje quero me obrigar ao novo
abrir as pernas dos nãos
e procriar idéias de subsolo em atmosferas ferozes
só os nãos podem germinar o novo
quero criar quero poder quero inventar

o nunca inventado já é ultrapassado
o impossível faz tempo mora em meu coração
o que eu quero

está brincando com o impensável
não o sinto nem o falo
não está em minha imaginação


o que eu quero não é o bastante
e isso já é o bastante

mas já está perecendo

algo está por vir

abram as portas e venham ver
o que mora aqui
não está mais em ninguém
o que mora aqui
é verbo imperfeito deixando de ser passado
o que mora aqui
não está mais em casa
mas há alguns nós

quando cheguei não havia mais ninguém
só uma janela aberta

e o vento
em nós

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

acaso


hoje vou beber descaso
construir pontes ociosas
e admirá-las de longe
ninguém vai cruzar nada
ela estará lá como obra
des-casual

eu
des-calço

meus pés regem
orquestras de pensamentos, nuvens e roupas no chão
conforme passo, fico
se fico, me banho

com os pés brincando de tecer destinos
sou mais vivo
nossas mãos agem demais
forjam seguranças pensadas
esquecem de escapar

os pés simplesmente esquecem
e nas pontes paradas
são o próprio caminho inventado
vez em quando, pulado

voos infinitos

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

poesia cuspe


um pé descalço no chute do destino
e o mundo nunca mais será o mesmo

duas alavancas tortas feitas de vontades mortas
e a vida sempre será uma icógnita

ah, mas eu não falo de mim
falo de você e do mundo e do absurdo

sempre que reparo no som da tv desligada
corro rápido pro quarto
abro um livro, cuspo lá dentro e fecho

o último eu joguei pela janela
e matei duas pessoas mortas

tenho essa vocação a coveiro pentelho
desde que meu coração matou Poe
não consigo deixar os mortos em paz

buscaram meu cuspe nas esquinas mais insuspeitas
e o que acharam foram livros já mofados
com cheiro de fruta podre mordida

fui eu quem mordi
e desde então, o mundo nunca mais saiu de mim
fica aqui grudado lapidando meus sonhos
com energia eólica dos deuses

com duas pedradas na pele grossa do impossível
engravidei as virgens de mim mesmo

agora meus filhos dançam em torpor
nas filas imaginárias dos ônibus nossos de cada dia

são contraventores hábeis,
cospem sempre pra cima
nunca viram nada de grave
na laminação ativa da gravidade

os cuspes dos meus filhos já alcançam o teto
e eu me sinto lá
estalactite viva
soprando doces terrorismos poéticos
nas orelhas pretas de brita
que tanto pisamos tateando futuros

as poesias
coçam nossas dúvidas jogadas e anestesiadas na sarjeta

depois saem

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

tão simples


uma demanda esquizo bagunça meus cabelos
chuto o ar com algumas invenções silenciosas:

minha barba anseia em coçar o pescoço do mundo em um abraço;
grito sempre que vejo fogo, talvez minha voz queira se queimar;
o calor de um amargo café em meu estômago pede para não ser digerido;
talvez meus pés ainda parem de esticar amores aos barros a às lamas e se tornem firmes, talvez não;
as gavetas da minha memória estão tão abertas, que se esqueceram se são gavetas mesmo, ou se é só imaginação;
meus poros se uniram em gemidos coletivos múltiplos: pêlos;
alguns amores atravessaram meus corações e foram morar em meus olhos: lágrimas;
quando criança, cresci até não caber mais em mim, aí nadei no ar com asas;
hoje, se olho pro lado, não sou mais eu, e se me olham, sou o outro;
talvez um dia eu volte pra casa, ou talvez me reinvente até que esta, possa enfim, morar em mim.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

onde mora?


uma simples fricção
é o bastante
e o mundo
desabrocha calores impensáveis
nas madrugadas frias dos nossos pesadelos

me dê dois cantos suaves
caídos dos olhos dos medos
e deixe nossas feridas dos tempos
rasgadas aos ventos

os medos velozes
dos furiosos corações cores palpitação
deslancham as tardes dos sonhos
até anoitecê-los
solitudes e indagações

o que será
que mora
entre o acontecimento
e o sentimento?

os ruídos das paredes da vida
sussurrando sensações perdidas
nos cômodos dos pensamentos
respondem com indagações

talvez o talvez
seja o certo

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

ora


os vácuos da vida
cansaram da falta de ar
ficaram sem fôlego
e tentaram gritar

ninguém escutou

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

artesão


mascaro as árvores
dos meus sonhos insossos
para que a vida desses tempos em grãos
ganhem mais cores

meu pai me apresentou aos céus
como o artesão do caos e dos estrondos

se as máscaras dos anjos dos dias me caem demônios nas mãos,
escrevo em acordes pulsantes
o destino em cores desses filhos órfãos de pais vivos

o que me importa são os filhos de todas as eras
inventando agora as novas paixões do sangue

para eles
deixo meu sopro difuso
um pulo nos braços secretos das palavras
e um acorde sem respostas
indagando ao ar sobre as curvas da vida

saio com a maçaneta em mãos
talvez eu ache a porta

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

num é de pirá?


sobre a vida
essa brincadeirinha séria
que nos habituamos
a levar em pele toda
corpo inteiro grito

faço dela
gato e sapato
acendo um d'paia do aconchego
arroto ruidoso o almoço
coço a nuca ansiosa
e deito ao vento
sentindo seu som
prazerzin delícia
em pele toda
corpo inteiro grito

é isso,
nada mais que isso

se me sobrar
algo

piro

pele toda
corpo inteiro
grito

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

atividade séria

-
escrita ensandecida como ovo
em livre comunhão força vazão
com nossos mundos animais primais
imaginativa em toda cor centelha faminta
sempre mais famigerada
e cada vez
menos
uma

cada vez
mais
todo o tudo
plantado
no mais alto
fluxo fonte fogo

ovo
devir
ovo

casca esgarçada
felicidade besta
séria séria
todos
nós
eu
e
!

sábado, 21 de agosto de 2010

esse mundos


nos jardins imaginários
de nossas ansiosas mãos
que esperam por impensáveis dádivas
é que estão as verdades
desse mundo
e daquele outro
que só conhece
quem se deixa embriagar
pelo felpudo bailado das nuvens
vida cor e poesia

se permita ser azul pelas manhãs
amarelar-se sol no fim da tarde
e comungar o brilho noturno
com liberdade de mil aves
a migrar pras Pasárgadas de nossas sensações

aí esses jardins nos habitarão
e a liberdade força bruta
de ser corpo casa dos jardins do mundo
é de tamanha intensidade
que somente os céus, em silêncio,
poderão nos dizer

encantos
em cantos

sábado, 7 de agosto de 2010

jacolina


o corpo é uma cor
ou várias

o azul é distração
ou vida

a vida é métrica em vão
ou som

vários

terça-feira, 27 de julho de 2010

em coma


sou um filósofo
dos tempos poéticos do caos

todo dia
rasgo páginas
de livros
vou pra rua
e as ofereço à vira-latas famintos

não sei nada
sobre saciedade
mas até hoje
nunca comeram
minhas páginas

então as colo
em postes
e escrevo:

procura-se alguém faminto

talvez alguém leia

na melhor,
coma

sábado, 24 de julho de 2010

doce horizonte


ela lá
brincando em leve torpor
de se misturar
com o céu

eu aqui
brincando com seriedade
de me fundir
com a terra

distantes
que só

e sós

até que veio
o horizonte

em sua infinita maestria
e nos beijou

quinta-feira, 22 de julho de 2010

gritar para o espelho


entre as quatro paredes da vida
cada movimento
por mais delicado que seja
revoluciona o cosmos

soterra medos
ou os rasga com clareza para o mundo

espanta tédios
ou os faz vivos em cheiro na carne

agita os sabores
explodindo-os em pingos de êxtase
a colorir corpos ao redor

mas vez em quando
há um arrebate no caos

dos incompreendidos dissabores

sereno cuidado nessas horas
nesses movimentos

brincadeiras com os desejos
surpreendem mais
que sorrisos sem pretensão

- e olhe que esses já surpreenderam tanto... -

respire com cautela
mas sem medo
sinta o vapor de sol
na nuca

nunca se vire,
sinta
apenas

os raios
soarão como mãos em doce amparar

um alento quente
nas horas desfiadas do sangue nosso de cada dia

sábado, 17 de julho de 2010

a sorte está queimada


e fez-se fogo
o salão inteiro
incendiado

aqueles corpos
se jogando nas mesas
as bocas se entrecortando ruidosamente
por entre os garfos
facas
os cortes confusos
se esticando nas labaredas de nossos
temores

nada em frenesi
tudo em frenesi

e a voz universal
de todos os nossos atônitos santos
brada em fervor:

- Existir é brincadeirinha
de luz fogo amor
a se extasiar
em danças rituais
sobre nossas
cabeças hesitantes!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

parto natural


fiz um filho
em mim mesmo

batizei-o
com um grito

todos
ao pronunciarem seu nome
dançam ao bailado dos ventos
num carinhoso transe
vibrante

ao redor
sons orgânicos abrindo frestas
onde só há concreto

esse filho
já é pai

subverteu-se deus
por conta própria

na falta de materialidade divina
resolveu-se deus
dignificando-se nada

hoje
desprendeu-se dos enganos
das dúvidas corpóreas
ou daquelas distrações forjadas

agora
é só
som
e
grita
livre

sábado, 10 de julho de 2010

brilhante


as estrelas são feitas de papel
moram no coração da gente
e foram feitas por crianças
que são ninguém mais
ninguém menos
que nós mesmos
antes de descobrirmos
que o sorriso
pode ser
de plástico

não nos rasguemos mais
nos permitamos brilhar
apenas

sexta-feira, 2 de julho de 2010

magnus opus


sou um godard tropicalista
nadando nu
no piscinão de ramos
criando conceitos
sobre
arrepiar os pêlos
facas cegas nas laranjas
e pigarros reprimidos em sala de aula

meu grande sucesso
bóia há três dias
numa privada
em plena praça pública

um feitiço excitado
sabotou a companhia d'água
gozação danada

sem descarga

uma população inteira
presta solidariedades
ao fétido monumento
à vibrar odores na praça

e eu voando
junto aos patos brancos
do jardim botânico

invisível

quarta-feira, 30 de junho de 2010

num piscar de olhos

agora que meus olhos
não sabem mais
se o tempo
do sol
é tempo mesmo
ou se tudo não passa
de saborosa sensação
de lua cheia
em meu estômago
saciado luar

brilho a cada momento

por via das dúvidas
mais vale um voo
despretencioso suave
na janela de cada
segundo
para admirar
a paisagem do tempo
com amor e
sem precisão

tempo é
sempre cisão
nunca
preciso

desapego livre fluxo
e muitos frutos

segunda-feira, 28 de junho de 2010

curta metragem


depois da meia noite
escrever deixa de ser um ato
e passa a ser cena

sem ensaio

personagens desempenham
as dúvidas da caneta
as falhas da tinta azul
incertezas sutis de mãos viris

estirados na cama
amassam seus papéis
jogando-se contra a parede
para analisar
os próprios borrões

lençol ali faz motim em frenesi
e já suado de tanta fricção
se confude com os pêlos
do corpo que ora o habita

não há insônia
cada bocejo é um rasgo
que se abre para gracejos
de vácuo no tempo

e os pés pelas cobertas
encenando travessias
e forjando cheiros

travesseiros

piada travessa
pois na ilha de edição dos sonhos
toda a equipe de produção
está de brincadeira

travesseiro é nuvem de penas
desaguando sonhos penados desencarnados
da cabeça em riste repouso

transe d'uma noite só

transa bilateral imaginária
papel caneta gozo azul

quarta-feira, 23 de junho de 2010

sorria


se a loucura bate à porta
abra-a
receba-a com carinho
ofereça a ela aguardente boa
arda
se arder deixe-a voar
sua sala pode não suportar o voo
abra o telhado
deixe o céu entrar também
quanto mais, melhor
se o céu loucura vida
indiferenciarem-se
abra agora sua cabeça
sim,
é necessário um pouco de ar
talvez até uma ventania
para tirar o pó que se acumula
debaixo de tantos telhados

já de consciência limpa
abra o peito
com faca imaginária
ou afeto suave de doce lembrança
ali está a verdade
sem pó
nem telhado
com muito céu loucura vida
sol luz mato desejo tesão
e ali pode ser que o casamento dê certo
um pouco de abrigo
um sono confortável
muita luz e calor, pro frio se sentir a vontade
aquele amor na comida boa
e vez em sempre
um voo-livre:
risada

a vida é uma piada
aguardente boa

segunda-feira, 21 de junho de 2010

poeminha cigarro violento aceso


o cigarro e a memória
se casaram numa cerimônia fúnebre

a fumaça esquenta os grãos
dos poros na garganta à esquecer-se

tudo que é viável
torna-se brasa rasgada ao vento
numa violência suave cantiga de ninar

e memórias dormem entorpecidas

sim,
não há memória nesse casamento
o cigarro é a tônica da relação
as brasas jogam tensões
anseios e pudores
aos céus
e tudo que se esquenta
é esquecimento

esqueça de tudo
o que falei
lembre-se somente
do que esqueci de falar
e saia

talvez vire fumaça
ou talvez

fume

quarta-feira, 16 de junho de 2010

fogo só


noite inteira
embate solitário
no longuíssimo espaço
do quarto
apertado

brincando de pirofagia imaginária
com os lábios incendiários
de seus pensamentos

até que
queimou a lâmpada


dormiu

quem
te
sonho

sábado, 12 de junho de 2010

Bárbara


o que falar se te vejo
tecendo palavras música
tão afinadas elas
esquentando cama como quem
faz durações suaves
momentos ternos
vivência eterna
nunca igual

sem
pre
co
meço

de lá você nós aqui
tudo ao lado sempre
junto todo em frente
n'olhar instante eterno

ficaquintensa
sempre

segunda-feira, 7 de junho de 2010

bela lua

amanheceu
escancarou peito inteiro
frente ao sol
rasga tudo
todo nu

seu cor
po se
pôs
fez
-
se
lua
inteira
nua

sexta-feira, 28 de maio de 2010

atalhos


as palavras não existem

são no máximo
entretempos eternos
dos vácuos que há
entre

o sentir

o pensar

e

o

f
_a
__l
___a
____r

quinta-feira, 13 de maio de 2010

sol


crio atmosferas de vida
como quem tece nuvens
a espera de chuvas

não faço isso por vontade própria
meus dedos são asas
e nunca aceitaram pousar em algo
sem se deliciarem
com os dias
e os néctares de seus poros

os dias se arrebentam

e as janelas da noite
escancaram-se
para sóis
que nunca
desapontam

nossas cores

amarelas

tão cálidas
elas

já desenham
amor em sombras

sábado, 8 de maio de 2010

à vontade


caminho de esquiva
em meu terreno esquizo
só pra sacanear
meus monstros

olho-os
em cada olho

e subo

na esquina de todo coração
os postes de luz
palpitam cor de ferro

bons condutores de calor
e de um pouco de louvor:
fé que se esquenta é sempre verdade
e traz em si a potência da vontade

afinal,
com vontades não se brinca

e as bandeiras frementes
encostadas ansiosas
em meus pêlos
descem seus mastros

minha carne grita

a pele toda estendeu
seu forro de sonhos
no gramado de meus pensamentos

agora é a hora:
a dobra de minhas vontades
se desdobra em suaves afagos
em minha própria sombra confusa

sou por
não sou onde

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Cartas


o que nós vemos de nós
são as próprias coisas
e elas não existem

tudo é idéia livre
fluxo fruto de suspiros
e olhares que de maresia,
já são maremotos

não,
não quero olhar algo
e vê-lo

quero ver amor
dentro de cada coisa

como se o mar ali dentro
se arrastasse em alvorada
e tudo fosse tão sincero
como a criança
a descobrir que todo dia
o sol amanhecerá seus sonhos

isso é amor

e o resto é nadar de braçadas
livre fluxo fruto
da vida em poesia

segunda-feira, 26 de abril de 2010

livre opção


escrevo de olhos fechados
que é pra nenhuma linha

me enganar

como se as palavras
possuíssem algum caminho

poesia se conduz
como quem se explode suave
e borboleta o ar
trepidando o mundo
com asas imaginárias

voo do abarca tudo

quinta-feira, 15 de abril de 2010

olhe,


aquele arquipélago de idéias
pintado à fantasias sobre seu corpo
foi inundado quando nos olhamos

o silêncioso brotar de lágrimas
alargou o horizonte febril das palavras

e o que era tão solitário silêncio fluxo
da vacilante ponte pensamento/língua

foi nobre intensidade cor
da impalpável compreensão
olhos nos olhos

olhe nos olhe
o olho universal
no olhar que olha
e enxerga o olho
da verdade
visceral escancaro
da visão epifania pura:

nós

domingo, 11 de abril de 2010

sussurro


para ser ouvido no aumentativo
diga bem baixinho:

paixão

quarta-feira, 7 de abril de 2010

marginal


não faço por menos
pois sempre pensei a mais

(mais torto)

há vezes que me sinto menos
mas fico sereno
por não ser apenas um a mais

(mais livre)

se sou um a menos
sei que na minoria
sou um a mais

(mais fluxo
força)

todos os menos
são sempre mais

(mais intercessor
passa!)

e quanto mais dos menos,
mais todos os menos são todo o tudo

(mais mais)

tudo a menos
é sempre tudo a mais

(tudo devir)

ou simplesmente
o tudo

quinta-feira, 1 de abril de 2010

loucura à vontade


sangue é seiva bruta
passeando de pés descalços
sobre o asfalto sujo

borrando em cores
a opacidade vaga do tempo
para abraçar a largueza do espaço

pluma que voa só
pois sabe que todo voo
é pó
que destila em grãos cada minuto
diluindo ampulhetas à marteladas

pois sempre que se sangue,
vida

sangue seiva brutal
por não ser nenhum saber

saber só que
tudo
simplesmente
é

quinta-feira, 25 de março de 2010

termômetro do outro lado do muro mede luz


em meio à turbina engatilhada
da baixa visão incólume

onde sobra espaço?
no vácuo

vá até lá e grite

onde sobra som?
na vida


até

se
me
ar


e sopre

quarta-feira, 17 de março de 2010

RIZOMA


meu peito se autopromoveu a tubérculo
e daí em diante tudo alucinou-se terra

não sabia mais por onde ir,
por isso fomos para todos os lados
ao mesmo tempo

tecemos o livre mapa das possibilidades humanas

e lá,
tudo
era o fora

o dentro
era o sempre

e o nada
era um tanto

bebemos todo o pote em silêncio
e arrotamos sete cores para o mundo

pois perto dos pés
tudo é ouro
e na terra
que vacila
o nada pode tudo.

segunda-feira, 15 de março de 2010

perto do não dito


sonho que se esquece
é pensamento que se soluça
ao contrário.

sábado, 13 de março de 2010

simples complexo


idéias!
jogue-as ao vento
nenhuma árvore é sol
se nao houver lua
seja seu próprio desenho,
respire o sopro
para se tornar você:
um outro.

sábado, 6 de março de 2010

corpo quieto


infinito é tudo aquilo
que de olhos fechados,
se vê com o olhar
da pele
sem nem precisar
tocar

espirro d'alma
em carinho com o mundo

ter tato
ser tátil

o corpo é um mero detalhe

domingo, 28 de fevereiro de 2010

bom dia


todo dia
antes de dormir
sonho

quando durmo
sono

ao acordar
som

lá no sonho


caso sol
somente

se sou, somo.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

caosmos


despiram todos os meus medos
jogaram na parede e pronunciaram:
"filho, ou você alinha os botões da camisa
ou compra sua bicicleta e sai"

resolvi arrancar os botões
joguei-os como búzios
minha sorte estava toda ali
cada néctar, cada sumo, cada húmus
clamando por meus pés nus

novamente os medos na parede

fraca dos botões,
a camisa nua, vestiu-se de meu corpo
e lá eu fui
mais uma vez pra dentro da caixa
concreto como gasolina no ar
sabendo que tudo me espera
tudo

cumpro a função,
tentando sempre
desparafusar paráfrases de ordem
e unir o caos ao cosmos

sou flor e cor na pastagem de brita:
caosmos

mas a falta de botões
é sempre alvo dos mais perversos olhares:
"ele não é daqui. não. não é daqui."

é...
bicicleta mesmo

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Livre tratado poético


poesia é insônia que esqueceu-se de ser
para transmutar-se sonho
poesia é verbo que se conjuga errado
pois ser e estar só existem
em gramados que sopram com delicadeza o prazer que há no Nada

taí o grande mistério de todo poeta

o Nada caminha pelo mundo
profetizando a inversão de toda lógica mundana

se o poeta não abraça o amanhecer de cada dia
compactuando-se com esse tipo de profecia
não há trabalho que não seja tortura
não há caos que não vitrifique lágrimas
não há terror que não psicotise sorrisos matutinos
e não há vidas que não se desafinam nas orquestras de 60 minutos

mas aí o poeta chega e entoa a ode de todas as coisas
diante do público de todos os tempos
e tudo o que bordava estratos de concreto na paisagem em ponto morto
ladrilha delicadamente o caos em um gozo de bebê que ao ver a mãe
só se esquece de voar.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Desquerer

Não tenho nenhum querer,
que não o de estar tomando uma ducha gelada,
num box de ladrilho azul com buchas,
cada uma uma cor,
em Caxias do Sul,
refrescando meu corpo nú.

Ou em Quixeramobim ao lado de tú,
num círculo de bambu sob o sol,
com água de bica.

E também me dar bom alimento.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

brincadeirinha


Minha mente é um poço.
Certo dia, uma criança brincando no abstrato, tropeçou ao contrário e caiu lá dentro.

Deu em todos os noticiários:

"Criança presa em poço há mais de 48 horas!"
"Técnicos não chegam a nenhuma conclusão precisa sobre a profundidade de tal poço!"
"Bombeiros não obtém sucesso ao utilizar seus guindastes!"

Até que no terceiro dia, uma senhora cansada de todo aquele espetáculo, desligou a TV.

E a criança e o poço viveram felizes para sempre.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

meu lanchinho


não sei mais
o que ando fazendo com o tempo

por isso o desfaço,
e o que resta,
desmancho em versos
e como no café da manhã

sempre como nu
que é pra não ter que sentir clausura
quando o mundo me adentra

estar nu
torna melhor a digestão do cru
e ninguém vai me entender melhor por isso

assim, cozinho minha roupa e saio,
fertilmente vestido da cabeça aos pés

acho que assim me disfarço bem
e só como aquilo que me convém

sábado, 30 de janeiro de 2010

nós


me evadi de mim
pra ser eu próprio:
um outro.

sou nômade de mim mesmo.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

passagem


há reticências...

algumas,
concluem

com tudo,
_______continuam.

domingo, 3 de janeiro de 2010

amor, queridos, amor...


para o próximo ano, quero suor afetivo.

na comunhão de poros e pele, e pêlos e carne, tudo o que nos resta é a afetividade sincera do suor em uma amálgama de pureza no corpo aqui com a pele dali, tudo uma coisa só dentro de várias, e como isso é mágico! minha pele pela do outro. para duas almas, um único suor. e a gente não é bobo de ignorar que esse lance de duas almas (uma aqui, outra ali) vai por água abaixo quando o suor cria o pacto afetivo-espiritual do amor. tudo é uno.

unidade na alma, então.
e suor afetivo aqui e ali.

pra 2010, mais pessoas suando por amor, menos suando por uma necessidade inventada (esse suor, todos sabem, fede).

amor, queridos, amor...