domingo, 26 de dezembro de 2010

o fim é um cara


o fim se destrincha imponente
carregando o peso do mundo consigo
desfilando provocativo
olhando nos olhos com avidez de pássaro caçando
pescando em cada olhar que vive
todas as lágrimas ainda não caídas
e bebendo-as até se embriagar de excesso de fins

no fim de tudo
o fim não passa
de um bêbado gritando na madrugada
clamando pra si todas as dores choradas
todas as dores vividas
nos quartos, nas noites, no fundo do copo
no silêncio do peito que grita
no imenso outro que há em todos nós

o fim
se sentiu caindo eternamente
e aquele vento nos cabelos
tranbordando durações de incessante queda
era seu único suporte

mas desgrenhou todas as idéias
e
foi
o
fim

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

salivação


a leveza
de uma tonelada
de vapor de chuva
pairando sobre minha cabeça
produzindo poesias silenciosas

é a solidão que estica exageros
até que a cabeça chova toda

paredes falam muito
às vezes até
caem

e não há telhado
que não deixe escapar
o silêncio do suspirar
a sós

na ponta da língua alguns rastros,
a saliva das lembranças recebeu um denso nome:
madrugada

intempestiva tempestade pela metade
solidão é sempre inteira pela metade

domingo, 19 de dezembro de 2010

meus amigos


meus amigos corromperam minhas idéias
minha forma de pensar
sacudiram meu corpo até esquecer-me que tenho de fato um corpo


me livraram de moralismos e verdades prontas com lambidas públicas nada pudicas

chocaram todos ao redor com canções inusitadas
sobre a beleza da embriaguês mergulhada na mais densa e nada pura nudez

meus amigos foram meus melhores inimigos
advogaram pelo diabo sempre que estive por cima
só pra me colocarem por baixo
lá em baixo chafurdamos juntos como crianças no barro
quando voltamos à realidade, já embriagados de terra,
derrubamos paredes, assassinamos professores, apertamos campanhias
e não corremos
gritamos de corações atados nossos crimes para o mundo inteiro ouvir
e ganhamos forças

meus amigos me ensinaram a ser contraventor em dias de chuva
queimando guarda-chuvas em praça pública só para que nessas chamas, pudéssemos acender cigarros
e apagá-los logo em seguida, nas gotas que do céu caíam
desapego bobo, mas sabíamos pela solidez da fumaça se esvaindo, a perenidade das coisas

em dias de sol, andávamos nus pelos corredores da faculdade
olhando densamente nos olhos de cada olhar dirigido a nós

ninguém jamais acreditou em mim e em meus amigos
nós também nunca acreditamos em nós mesmos
aliás, nunca paramos pra pensar sobre isso
nunca fomos coerentes, a incoerência sempre frutificou mais possibilidades e dúvidas
e daí pra frente todo o futuro nos tecia teias de surpresa, extremos delírios lindos à ceu aberto
não tinhámos certeza de nada, mas sabíamos algo sobre o tudo

certo dia, nos perguntaram se conseguiríamos levar a vida a sério
olhamos silenciosamente um pro outro, todos já sabíamos de antemão a resposta
e o melhor a ser feito, era jamais responder pergunta tão disparatada

cada amigo meu
sempre foi meu melhor amigo
e, libertários ao extremo, esquizofrenizaram belas coreografias de dança em palcos escuros
só para provar que os melhores públicos, são públicos imaginários

meus amigos me ensinaram o que é o amor
praticamos o amor livre, o amor doentio, um amor apegado, outro desapegado, amores solitários, amores silenciosos...
percebemos então que a rima com a dor pulsará sempre em todos eles
foi quando pixamos nos muros da cidade que todos os amores são um só: o amor

meus amigos são o amor
eu sempre sou meus amigos
e o amor sempre será o mundo
nos abraçamos todos não foi à toa,
o dia será de fato,
muito mais ensolarado
com sombras boas
e vento no rosto


sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

o nó, ou nós


agora foi

olho pra trás e vejo o futuro
afiando seus dentes
pra derradeira mordida apocalíptica

mas nem tanto

olho pra frente
e as asas em chamas do horizonte
insistem em escapar pelos dedos do mundo
coisa grande assim
exige rastros

a sombra do cosmos se esticando
até tocarem as testas desatentas
de um sonhador aqui
um poeta acolá
amarrados juntos-distantes pelo nó da luz da manhã

eu
nós

no raiar do dia
uma canção

a sala de espera da vida
canta
lotada de futuros

fica no ar a verdade
solidificada num delicado bailar
de uma corda
aguardando ansiosa
alguns nós

eu
nós

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

algum lugar bem próximo


circulando pela autopista multicolorida
de minhas pirações matutinas

no limiar do acordar
não me atrevi a abrir os olhos

pesquei algumas idéias
que brincavam com o estepe dos vazios da alma

sabe o que disseram?

coma fruta madura com os pés na terra
as unhas devem ter barro incrustado
nada de preocupação com limpeza
a terra nunca foi sujeira

é néctar denso, suave pisar

a pureza de uma poesia não pensada
embriagou-me com palavras poucas
tão leves, evaporaram na memória

ainda de olhos fechados
preparei a matula
e saí

dormi
e nunca mais voltei
desmemoriado

sem destino
e sorrindo muito