quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

totem no absurdo


criar é se permear
inventar labaredas de transgressão
pincel de criança na parede branca

permeabilidade é
difusão de canais de
xamanismo
divinizando a areia em meus cabelos

há povoados insurgentes nos desertos
eu sei
são como cães ladrando em becos escuros

há que se alcançar novas texturas
tatear o viscoso
viscosidade nos sonhos é
escorregar-se totem no absurdo

sonhos sutis
no primeiro feixe de luz
da janela amanhecendo

o espetáculo da poeira
que paira na luz

dia que é dia
se transborda totem no absurdo
não suporta ficar atrás
das barras de ferro
da semana

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Roxo


topei dedão
do pé
na quina
do horizonte

latejam
os meus
futuros

domingo, 20 de novembro de 2011

repletude


são tantos
os agoras

num instante
um agora
deslumbrante
despencou
da parede

pude então
me ver
ali
distante
tensionando
o corpo
rente ao
chão

meu rosto,
música vertiginosa
regida num palco
em desfiguração

imagem-tempo
de mim fora de si
arriscando invenções

um agora-repletude

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

povoados


minha carne me habita
ilha errante de pulso absurdo
abismo
surdo
de lá pulei
e lá mesmo,
caí
minha carne me habita
ilha de divagações nonsensitivas
pisando em vagas direções

se nada mais parece fazer algum sentido
desfio nessa pele cheia de hesitações
linhas de luz,
traduções estrangeiras de meus próprios passos,
ilha errante que sou
me navego como vitória-régia
regida pelos ventos
rumo ao próximo povoado
que ao me desdobrar
me acontece fluxo
em carnes outras
que em mim
habitam
e agora,
gritam

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

a bola do jogo


almejo ser
a bola do jogo sim,
mas por favor,
que seja a bola
esquecida em campo
no ininteligível silêncio
do estádio
na escuridão orquestrada com destreza
pelo imenso vazio
do pós-clássico de domingo

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

grito primal


vou te agarrar pela mão minha mão na sua mão segurando forte e te levar correndo desesperado pro meio dum mato e te convocar para juntos gritarmos de maneira indirecionada e gritar e gritar e gritar como nunca gritamos em nossas vidas até extrapolarmos todos os nossos limites e quando achar que não iremos mais agüentar gritar gritar e gritar ainda mais e quando enfim nossos corpos se desfalecerem ofegantes no chão poder te olhar olhos nos olhos de uma vez por todas nem que seja a última vez na vida com aquele silêncio imenso com que nos olhamos tantas vezes e que fazia o mundo inteiro parar ali como se nada mais existisse além de nós mesmos absortos de excesso de olhos nos olhos transbordando serenidade e sentir então nessa alma tão febril o derradeiro suspiro de leveza que sempre tivemos e não temos mais a certeza se temos ou não e ponto.

domingo, 30 de outubro de 2011

infame jogo de palavra


hoje passei o dia
alargando o meu talvez
fazendo dele, lentidão,
perenidade,
hoje o meu dia,
é sempre

sempre que talvez,
ardo só, deliro meus contragostos
abrindo as portas do caos
arrastando em minha mandíbula nervosa
a força de tudo o que não tenho controle

sou faca rasgando o ar
em intransitáveis desacordos

a lentidão do meu talvez
é tarda
é falha
ela é a tal
que fustiga sempre
o que não tem e nem terá vez

por isso não há muito o que compreender,
talvez
nós apenas perdemos a tal
vez

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

uma breve nota


se fosse possível
destrinchar em uma tempestade
alguma reminiscência de cor,
ela seria quase que imediatamente
um sabor
e antes que se conseguisse
viver o absurdo de tal paladar
tudo escorreria por entre os dedos
ficando apenas
a solitude
e as gotas da chuva
escorrendo no vidro da janela do quarto

sábado, 8 de outubro de 2011

mochila farta


invenção de um lugar
um hábito
habitual
des
habitar
me habituar ao
des
hábito
que horas são?
verbo dar-o-fora conjugado nos músculos
tensão
diz
tensão
nudez do tempo
diz
habitar

sábado, 1 de outubro de 2011

desentenda sim, então, não


restar grunhido no fim da noite
amanhecendo tardezinha perto da sombra
talvez meu corpo se desfaça
ou
seja tudo
mera questão de paraíso
um lugar para gritar
e as amarras fiquem estáticas
rasgadas
paradeiro dos ruídos
do caos
quero um paraíso
que seja ele próprio
meu grunhido selvagem
minha voz de animal espraiada no fim do dia
transe de mim para mim
coletivizando o prazer e a dor
vibrando o mundo aqui aqui ali em meu leito leite quente
sou chama de ardor controverso
querendo simplesmente
sorrir

não é pra entender
nem eu outro quer que se entenda
parto

terça-feira, 13 de setembro de 2011

livre ensaio sobre o que é memória


cuspiram em um selo
o pregaram em minha memória
e a enviaram pra algum lugar inóspito, mas acima de tudo, um lugar úmido,
não me pergunte o nome de lá
esqueci ontem, amanhã invento outro,
mas a umidade era tamanha
que chegou a embaçar as vistas
tentaram limpar o pára-brisas mas o carro desgovernou
melhor parar e deitar, sentir o vapor quente
lá era difícil de escutar também
sem som de pássaros, de cigarras, dos uivos das matilhas
sabe como é, umidade demais, é mar
som do mar é a estática da mãe terra, silêncio ensurdecedor, pifa qualquer t.v.
e a memória submersa ali, pulsando a esmo
nessas selvas não há como evitar,
fica aquela atmosfera elétrica de caça/caçador
expectativa pura
um infinito antes, que nunca é depois
e ali era óbvio,
memória perdida assim é presa fácil,
tive que assumir a responsa
coloquei a cabeça de minha memória como prêmio de caça
um pandemônio sensitivo se instaurou
eram tantas sinapses transando umas com as outras
que até a carambola roubada do vizinho em 1998
ao cair no chão, já madura, ejaculou como nunca
orgasmo-nostálgico-psicodélico embriagando as crianças nas calçadas
aí por fim,
a caça virou caçadora, e ao invés de caçar, comer e se saciar,
minha memória não quis acabar com tudo aquilo,
deixou a fome se estocar até inflar cada porosidade neural
fazendo disso uma prática diária
a arte do não transbordamento de forças
sempre limiar, sempre borda, sempre abismo
nunca preenchimento e saciedade
força-pura força-bruta
e hoje meus jardins são assim
cultivo de memórias-afetações explosivas
para que sempre que algo me toque,
me
transe

terça-feira, 6 de setembro de 2011

espaçar


enterrar
um pensamento árido
nas veredas de um passo em vão
para no próximo passo
espaçar
um sentimento que
talvez por hesitação
talvez por consciente esquecimento
estava perdido nas densas matas soturnas
de um solitário cigarro na madrugada

e
em
silêncio
fez-se
luz

terça-feira, 30 de agosto de 2011

só pra constar


ocorreu hoje
nas varandas da criança que mora em meus pés
uma
capacitação de orquídeas para devir sorrisos

caminhante errante à deriva
suando
eu
ando

terça-feira, 23 de agosto de 2011

há um muro branco em minha frente


há um muro branco em minha frente
mas meus olhos estão turvos, não podem apalpá-lo
há um muro branco em minha frente
mas tiraram de mim meus pincéis, e nem sequer me perguntaram
há um muro branco em minha frente
mas acorrentaram meus pés em um muro mental-penitenciário
há um muro branco em minha frente
e a muralha cotidiana insiste em privar de me borrar em cores nele
há um muro branco em minha frente
logo eu, que já quebrei tantos muros
há um muro branco em minha frente
e há no peito um canto oco, gritando inaudível por desmonte
há um muro branco em minha frente
e meus versos são tudo o que me resta
há um muro branco em minha frente
e já não sei mais, logo eu, que sempre quis ser tão colorido

domingo, 14 de agosto de 2011

é simples assim


um transeunte multi cor me aborda no abstrato

digo inocente: "oi."

começa então a chover sensações atemporais
e não tínhamos guarda-chuvas
mas a vida é assim, se enxarca nas linhas do excesso,
depois torce tudo e respinga no chão memórias táteis

e ele continuava ali calado, me olhando
todo colorido

quando o chão enfim se alaga, nos conectamos
debaixo da água é livre transmissão de atos, fatos e afetos
dá choque mesmo né?
existimos submersos, sem eira nem beira, tudo que vai, volta,
coisa de imanência, transborda feitos liquefeitos e exagera vida

um processo de fusão se inicia

a princípio
parecia ser muito duro tal processo, nunca havia me fundido assim
muito menos com um desconhecido
menos ainda no abstrato

as cores foram se agitando
começaram a se indiferenciar em rito catártico
bacanal de cores carinhosas se acariciando
meu corpo se contorcia todo, absurdamente imóvel
e em certo momento não havia corpo nem cor
restou apenas um encanto amorfo, uma massa, A massa

tudo aconteceu muito rápido
e quando dei por mim, me deparei com o óbvio
pude escutar minha voz, me respondendo:
"oi."

sábado, 6 de agosto de 2011

lua crescente


olhe só
a janela entreaberta e sua pequena fresta divagando som
talvez eu vá até lá e dialogue calado, de lado,
como quem se surpreende no espelho
reflexo de vento dá nó na goteira do pensamento

se timbrar diálogo,
a gente voa

nas entranhas da janela, há asas

alto céu
a gente lá
e a lua sorrindo

sexta-feira, 15 de julho de 2011

frutos colhendo


seria possível o mundo nos dar o impossível?
as orquídeas espalham cores na pele dos poros
e as possibilidades fazem cócegas
nessa nossa atmosfera que nos entranha e toca no toque

ai

a pele
que tal?

talvez esta ou aquela dúvida
fosse só questão de escolha
e os caminhos fossem os pés pisando certezas
mas aí
as verdades ficam latentes
urrando infinitas formas de ser, de estar, de fazer
e nossos corações ficariam entrelaçados na noite
fazendo caricaturas do teatro
onde nós próprios nos protagonizamos
e as portas infinitas
só se abririam caso pisássemos
em branco
rumo
ao
?

terça-feira, 5 de julho de 2011

criaturinhas vivas


procurando pelos barcos à deriva
perdidos nos mares inabitados
deste coração, que ora me cutuca

deitei a cabeça na mesa
e de meus olhos já não se podia prever mais nada
a cena era árdua,
vários erros, essas criaturinhas vivas, de feiura intensamente atraente,
sapateavam nos pratos de comida com desdém
fazendo troça do que tanto estarrecia

tem hora que o banquete do dia
somos nós mesmos
e nem nos damos conta

auto-antropofagia analítica na mesa
e nem lembraram de me convidar, esses eus...

quinta-feira, 30 de junho de 2011

mais sério do que se imagina


há nessa vida, montanha russa feita de novelos de lã,
uma imensidão misteriosa
chamada de A Coisa Mental

baita Coisa, essa

e lá,
há uma porta, úmida e silenciosa,
ela se arrasta terrosa em solos muito férteis:
vários pensamentos, divagações, hesitações
e mais outros tantos horizontes

faz tempo
o ponto nevrálgico do mundo
está escondido
atrás dessa porta

as crianças moram lá
e brincam de fazer espinhos de massa de modelar
para estourar com maciez
um tantão de bolhas de rigidez

trabalhadores de todo o mundo,
brinquemos!

sábado, 18 de junho de 2011

ou


uma poesia sobre
campos floridos exagerando os jardins dos pensamentos
ou
correr de braços abertos rumo ao indefinido
ou
se embriagar de cheiros e sabores pelas manhãs
ou
acordar na madrugada e gozar pelo simples silêncio do mundo
ou
ouvir a espontânea frase de uma criança e rever tudo o que se pensava sobre a vida
ou
descer até o último andar de escadas e ter que voltar só para ligar para a amada

a vida
ou
a aprendizagem sobre possibilidades virtuais infinitas
que sempre se materializam
de uma in
forma
ou
de outra

segunda-feira, 13 de junho de 2011

projeto pulso


uma novidade antiga perece no canto do quarto
é um coração
as formigas foram se acumulando
mas foram intimidadas, optaram por só observá-lo
nenhuma vassoura jamais o alcançou
parecia peça de museu,
antes de estar simplesmente ali,
um universo louco de histórias, fatos, erros e acertos
mas estava ali
e perecia

aí foi feito um projeto
para criação livre de sorrisos em contágio veloz
as formigas reverenciaram o incentivo
as veias começaram a brotar como ervas daninhas
espalharam-se rápido pelo quarto
ocuparam com palavras de ordem os outros cômodos
o sangue correndo, vivo, parecia um filme itinerante e permanente
mas real, em mutação plena e constante,
e o que perecia
se manteve assim, claro, tudo perece,
mas o intuito mudou
e agora,
basta pulsar

reverberam ecos

terça-feira, 7 de junho de 2011

parricídio


pai,
uma nuvem giratória atrás das costas manchando de cinza tudo que se ousa falar
mas fica aqui uma palavra disruptiva na mão
e uma vontade infantil de brindar refrigerante, deixar cair, melar o chão e pisar
jogar bola tarde toda no chão melado,
sentir sorriso de criança no peito, riso desses de rosto inteiro
tem coisas que fechar os olhos e pular no infinito não explicam
aí viro de frente e olho
olho no olho desses arquétipos paternos que desfilam com seus martelos e suas brutas rajadas,
dou de ombros, os desbanco com desbunde,
e deito na sombra
reticente dos pés
arremessando vírgulas vivas às nuvens turvas
todo filho mata um dia
seu próprio pai
através das mãos do próprio pai,
questão de sobrevivência

domingo, 29 de maio de 2011

rotinafagia


e nessa vida
lâmina que corta
tantas doces sutilezas
e insiste em extendê-las
nas mais densas e turvas
cordas bambas
que se ligam das tarefas
às tarifas

chego em casa
ligo um som
tiro a camisa e já sinto melhor
as várias vibrações explodindo
nessa espontânea
atmosfera do quarto sonoro

agora quem fala é a pele
as verdades se eclodem nas banalidades mudas
e ganham voz

vejo a cor do chão brincando com a poeira,
o texto parado sobre a mesa é mutante,
pois pro vento que o carrega com arquitetônica displicência
pouco importa seu conteúdo
e por isso decido estudar seu voo até o chão
junto ao vento que o abraça

o papel do texto
transando
no chão
com a poeira
e as cores brincando

belíssima captura de mim mesmo
ali
vivendo muito isso tudo

e simplesmente
aquele tanto de agoras
que haviam antes desse tudo
ficaram pra depois

e ninguém percebeu

domingo, 22 de maio de 2011

cabeça do chão do quarto


duas palavras brotaram
entre os azulejos do chão do quarto

vieram como selvagens no mato
uivando púrpuros desejos
tão íntimos
que no escuro do quarto
fez-se luz descabida
as pupilas se oscilaram caoticamente
vertiginosamente a noite abriu-se infinita
até que as janelas, fechadas, pareciam rasgadas-abertas
alguns voos
alguns outros tantos delírios
e essas palavras se substanciaram fogo

divina experimentação estética
uma fogueira de letras
no azulejo do quarto uivando poesias nada concretas

saí correndo gritando sorrisos,
fiz do mundo a vernissage amarelada de minhas dentições
mordendo pescoços desatentos no formigueiro das ruas
e o mundo parecia enfim me compreender

bastam duas palavras
duas palavras
palavras
bastam duas
dualidade eu-palavra no quarto brotando imensidão do chão
múltiplos de uivos
uni-vos lobos do mundo
em meu quarto
nesse minifesto
em duos mais que múltiplos perfeitos

uma poesia feita aos berros
quase em vão,
uma revo(a)lucinação

domingo, 8 de maio de 2011

dançarina


o corpo
vive por sempre pedir
uma
alimentação aeróbica de excessos
por isso
quando vozes ocultas
cantam a arte do êxtase em coro veloz
abrace selvagem
e lancinante
todo contraponto de fertilidade torta

sinta o copular vibrante da saliva transgressora
quebre as canelas de um mundo oco

há no mundo um vácuo
há no corpo um sopro
há aí um motivo
e há sobretudo, revolucionária
dança

fome que perfila andanças
sangra na fonte muda
a lindeza do caos, a lindeza da
mudança

dançarina pairando no infinito

sexta-feira, 6 de maio de 2011

e labor ação


campos entrecruzados
nas linhas dos pensamentos:
já é o primeiro passo

para o resto,
fica o verbo
asa

quarta-feira, 27 de abril de 2011

nos dias sitiados


a sonororização
daquele baile de máscaras
lúdico e desenfreado
está estragada
ninguém mais consegue se enxergar
não há ouvidos nas paredes
a marcha dos dias vai rumo ao absurdo
e não há alguém que de fato
conheça tal lugar, é realmente absurdo,
e o que fazer?

hoje os corações das lástimas
sabem muito bem,
não há como arremessar tijolos
aos céus,
e mesmo se houvesse
tal possibilidade,
quem os alcançaria?

quando a profecia das horas seguintes
é eternizar a digestão das horas passadas
não há na pele resposta que conforta
não há pensamento, sentimento, lágrima ou grito (e há!)
mas há que se deixar de sentir lá dentro o outro
como quem o espia pela fechadura, a sós e em silêncio,
discreto, quase vaidoso,
deve-se abrir a porta
entrar na sala do peito que pulsa
e ir correndo

ser abraçado

domingo, 17 de abril de 2011

atletismo afetivo*


comecei a estudar a história dos tempos
baseada nos sulcos amarrotados
de meu lençol usado jogado no canto do quarto

na trama das verdades
que se enlaçam em terreno tão acidentado
descobri com um saciado sorriso
a origem das espécies

tudo a olho nu
despido das imagens habituais
que queimam as roupas velhas nos varais dos pensamentos
grandes sacações, reviravoltas e desfechos impensáveis
teciam os mais bárbaros acontecimentos

a origem das espécies,
um vórtice que bruscamente
captura todos nossos sentidos como relâmpago no ar
e está toda amparada
na difusão
do mais denso e substancial
cheiro
um simples e nada simples cheiro

há que se fazer história
pelo nariz
desbravar desertos e povoados que nos percorrem o corpo
com nômade
fluxo
ora ofegante
ora em profunda respiração
olho nu
olho cerrado
contração
relaxamento

atletismo afetivo

a origem das espécies
trocou de pele nos sulcos inquietos
do lençol usado
produzindo a cada intervalo entre os vários pensamentos
cheiros e cheiros jamais respirados

sítio arqueológico inventivo
no canto do quarto
na tecitura amassada de um lençol sujo
que cheira
as mais variadas
ins
pirações

e a vida ali
é efetuação
transborda no tempo
os mais simples gostos do
real



*atletismo afetivo, criação do mestre xamã não iniciado, antonin artaud

segunda-feira, 4 de abril de 2011

é vida real


logo ali na esquina da divagação
há um pensamento
musculoso, desfilando exuberante
por entre memórias, atualidades,
cheiros e outras alucinações

nas intensas festas das matizes abstratas
ele era rei

aí chegou a vida, forte e real
e com um leve sopro
o assassinou

terça-feira, 29 de março de 2011

é memória que não tem fim


quando escrevo
esqueço de tudo o que já vivi

esqueço qual era a cor azul do tênis que usei
em meu primeiro dia de aula
e o quanto me preocupei com o azul desse azul,
e faço questão de não lembrar o nome
de nenhum dos tão infinitos professores

esqueço o cheiro do perfume doce em excesso
da garota do primeiro beijo
e do quão geladas estavam minhas mãos ali
naquela explosão de poros se abrindo
com gosto de pele

esqueço de tudo o que aprendi sobre poesia,
sobre métrica e rima
esqueço de Drummond, de Bandeira e de Gullar
e deixo de lado todos os versos Beatniks
esqueço de Rimbaud e Whitman,
e Pessoa é só mais uma pessoa

esqueço qual foi a primeira vez que me emocionei com um sorriso,
e a primeira transa também não faz parte de mim quando escrevo

esqueço dos sons de meus brinquedos
quando sem querer os quebrava nos quintais de minha infância
e tampouco me lembro de quando pela primeira vez
pensei sobre a morte

não lembro do arroz queimado que fiz aos 17 anos
nem da primeira insônia angustiada de um amor reticente

esqueço do dia em que pela primeira vez
pus os pés em um buteco e pedi uma cerveja
e a amnésia já esquecida do primeiro porre
já havia ficado ali pra nunca mais me lembrar

mas na verdade tudo que se esquece
é esquecido pois volta sempre novo
para logo em seguida, como chuva imediata
se esquecer novamente

a escrita nasce pra ser esquecida
o poema não é feito para se saber de cor,
e quando se sabe de cor, cada declamação é sempre a primeira
e a última

o poema deve ficar ali
na sensação eterna do instante,
congelado e capturado,
sugado como bebê suga o seio materno
e depois dissipado: poesia vento no rosto
e só

no momento em que escrevo esses versos
esqueço sobre o que estou escrevendo
esqueço de mim
e esqueço até que essa poesia
deveria ter de fato
um fim

quarta-feira, 16 de março de 2011

bolinha de papel


pegou um papel

cuspiu o fundo da alma ali
mobilizando com força que contorce suspirante
todo a orla corporal


é,
corpo é coisa oceânica demais
tilinta tanto silêncio que alguns sons das profundezas
chegam a dançar vibrantes na janela,
sabe como é,
não há controle nas águas do mar


mas
depois do cuspe
amassou o papel assim, despretencioso,
como quem dança pelado
no escuro solitário da sala vazia
(quem não ritualiza, não se tateia de verdade no pulsar das veias,
só se engana, ou coisa pior)


passou infindáveis minutos, quase póstumos,
contemplando tal objeto de experimentação poética


mas acabou
jogando-o pela janela


a arte é assim,
é perene, dura enquanto durar,
melhor alçar voo do último andar do prédio,

respirar a queda, uma ascensão às avessas

mas e aí?
chegará o dia
em que o escarro sairá do papel?

sexta-feira, 11 de março de 2011

quero


e nesse
bacanal de sensações
não sentidas,
deliro doces verbos imaginários
até
alongar-me fome

quero alimento
eterno isqueiro do cigarro da paixão
que acende a alma
e
enfumaça a visão
para
enxergar melhor,
para encharcar o tédio, para
quebrar as vidraças da vizinha
e ver as crianças correndo
sorrindo em frenesi

quero delírio sincero,
sorriso de gozo
nas mais macias sutilezas,
amanhecer
o dia
que pulsa sempre
entre minhas pálpebras
e me faz
alucinar

todo
dia

quarta-feira, 2 de março de 2011

posição política


a poesia
enquanto função social
deve se esquecer de ter função,
borrar as cores sociais,
esquizofrenizar o que já é nonsense,
ignorar tudo que faça algum sentido,
imprimir nos poros da vida
apenas rugosidades,
nuances desapercebidas de contrasenso
que se irrompem
onde não devem,
revolucionam microssegundos de tempo
cavando ali furos atemporais

a poesia
deve ser buraco negro antropofágico
que tudo deglute
afim de sorver
saborescências inéditas
desimpregnadas de tanto mofo
dum passado transviado do avesso
que é assassinado
a pauladas de gemidos estridentes-sexuais:
poesia-tesão, a estaca zero da vida

a poesia
não tem função
não há função na poesia
mas na moça virgem embriagada do recato paterno
descarrila o trem do pecado
e engravida o mundo
com um sutil veneno-bomba-relógio
que explode com doce transgressão
a família universal de todas as eras
e isso
nunca foi função poética,
isso
é
trans
mutação
estética

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

na cara dura


imagine só
alguém que procura
aflito
um chão
e de repente
cai

sábado, 19 de fevereiro de 2011

ação


um
grito
ou
apenas
um
sus
piro
no
in
verso
mudo

dentro ou fora
pulsar que
importa é o avesso

despudor
di vi no céu
da boca

poema
now frágil

pulso
pulo
pull
over

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

o dia em que as crianças dos bairros dançaram em praça pública apalpando possíveis futuros nem tão possíveis assim


peguei
minhas digestões
as abri em novas formas

nas praças das cidades em que nunca estive
para olhá-las, manuseá-las

mas o que queria mesmo
era o simples pegar
sentir algo
sujar as mãos
criança se lambuzando de manga

tato universal me abrindo pro mundo
descobrir-se viscoso

todos os alimentos, gestos, hesitações,
os sonhos, os monstros,
e outros tantos enfins
se alinharam contagiados


aspiravam doces encontros,

algumas resoluções
e outras várias reticências

deu canja

quantos sons ali nesses gramados

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Nao queria colocar titulo, posso?

As vezes sinto coisas legais dentro de mim.
O que vem vai. O que vai também vem.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

o apelo silencioso e a sede


tenho vários poemas
silenciosos

eles se deixam habitar
em leves
ruídos
nuances despercebidas
aqui ali em mim fora de dentro de si
atrás em eu e nós

por perto

vivendo os entornos
em pleno descompromisso poético

escapam das palavras
ditas
recheiam a garganta
de sede


os bebo
até a sede
se aumentar

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

sobre as cartas de amor


sobre as cartas de amor
não enviadas

elas existem
e isso é um excesso que já é um tanto

guardadas,
nos cravam as unhas no estômago
escancarando portas nos pensamentos
sangrando as flores das declarações eternas

arrombam o mundo inteiro
com um suspiro solitário
amarrado numa doce canção qualquer
que ora
resvala a memória
em silêncio

tudo o que se enuncia ao acordar pelas manhãs
parece estar intumescido de todas,
todas as palavras-sensações guardadas
ali naqueles rascunhos não enviados

as palavras são perigosas
não foram feitas
pra se resguardarem
querem o tempo todo
se jogar no ar
explodir tudo ao redor
com aquela chuva cósmica apocalíptica
da cadência das frases
criando corpo
e avassalando tudo o que surge em sua frente

as palavras são ansiosas
querem sempre um abraço,
ou encontrar-se com algo
despertar tensões
aliviar corações

provocam, cutucam, mordem
não pedem licença,
estão sempre a salivar seu alvo
armadas para o bote certeiro

mas quando nossas paixões
vivem as chamas que estalam

na moradia de uma outra alma
que pulsa dentro profunda em nossos peitos,

(amor)

o corpo inteiro se embriaga
do mais intenso poder

e em um triste duelo
regado a hesitação de lágrimas
e solidão extremamente povoada,
desafia todo o exército de ousadia das palavras

e simplesmente
em um bravo ato de coragem
não envia a carta

por amor

sábado, 22 de janeiro de 2011

trupicão


andando
a passos curtos
pois a ousadia
anda
sorrateira
escondendo-se nas frestas
dos sentires
das esgarçadas paixões
nas frestas das dúvidas

talvez ainda
encontre essa ousadia
andando devagar,
divagando,
ou no pensamento
que vacila
que alucina
que se esquece de pisar

andando,
melhor seria
um tropeço

cair

as quedas revolucionam
a alma na janela do tempo
e borram as cores no ponto de vista

fica então
um ponto-borrado-ousado na vista
excitando as microexplosões
escondidas nos cantos dos passos

fez-se pois, o som
e tudo vai

rumo à queda:
quanta ousadia

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

passa a bola!


a vida é uma
brincadeira

tão séria ela

que há até aqueles

que esquecem de brincar
crescem
e viram adultos
apenas

sábado, 15 de janeiro de 2011

só o amor


o corpo arde
a mente falha
o mundo palpita o calor dos poros

o amor chegou abrindo a porta
rasgando o tapete da sala
confundindo água com vinho
se embriagando discarado e nu

o amor arrancou os espinhos das rosas
furou todas as paredes do quarto
esperou escorrer dali o sumo da vida,
o sangue que faz os anjos pairarem no ar

o amor não sabe mais distingüir
as diferenças entre os sete pecados
a gula se travestiu de luxúria
só para sacanear nossos sexos na cama
palpitando vida umidade louca
num lindo gemido universal no escuro do quarto

o amor continuou abrindo a casa toda
queimou nossos corpos rente as janelas
experienciando densos voyeurs
transbordando caos e êxtase
para todos os olhares ansiosos por esse bruto drama

o amor deixou nossos corpos sem órgãos
livre fluxo fruto da mais pura selvageria
tudo é futuro tudo pode tudo devém
tudo virá transpirando tudo

e veio então o beijo
selando o púrpuro desejo fonte
afagando a ternura calorosa de nossos corações
até dormirmos em paz
eu aqui
você aí
juntos distantes
dançando amalgamados nos sonhos
desso nosso mais doce e belíssimo
horizonte

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

composição de tela inteira


precisava escrever algo
então resolvi vacilar as palavras
nos pensamentos
como maestro que orquestra sentimentos
escrevendo no ar a poesia
surpreendida quando se vê em música

esqueci do que é feito
o verso

apenas
fiquei ali
parado
sentindo o vento no corpo

e a folha de papel
alçou voo

música em branco
desenhando versos
na ponta da caneta
do mundo

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

como fruta madura caindo no pasto


meus mistérios
foram procurar um pasto
morar lá onde o dia é pra sempre
e o sempre é segredo, ou sagrado

matrimônio velado: meus mistérios de alma
e os segredos do sempre

meus mistérios ficam por aí
lavando louças cantando alto
andando nu pelas madrugadas
transmutando postes de luz em rimas rabiscadas nos pensamentos
enquanto olhares atentos da noite
se perdem na agilidade de meus calcanhares
pisando nas letras como samba disritmado

meus mistérios alargaram algumas palavras
e as colocaram em linhas tortas
defendendo causas
em prol dessas almas mortas
de sensações tão vivas

meus mistérios
estão aqui
nesses versos
ou em minha língua se afiando no canto da porta
sorvendo frestas onde só passa suave o feixe de luz

se pudesse,
a fresta de luz da porta no escuro do quarto
seria minha eterna alimentação imaginária
profusão de vitalidades sutis
irrigando corpo todo dessas nuances tão essenciais
pra vida inteira

lá no pasto meus mistérios fugiram

talvez tenham se cansado
de palavras vãs
ou
dos excessos despertados no ar
quando as palavras se arremessam no nada
e ganham força de tudo

pastar é meu grande mistério
talvez eu seja tudo
menos sério

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

segredos


joguei minha cabeça no fundo da gaveta
cantei alto como nunca na vida

sempre quis musicar
o que fica aqui dentro
guardado

sábado, 8 de janeiro de 2011

pequenas belezas, ou sutilezas

*para ler escutando um girassol da cor do seu cabelo do lô no clube da esquina


e teve aquele dia
que você descobriu pela primeira vez que os girassóis
sempre estão a olhar para o sol

sabe,
às vezes essas sutilezas germinam vozes
dessas que saem de lá de dentro do mais inóspito pisar
na alma

voz visceral delirar,
com o coração pulsando firme na garganta

e como é lindo embriagar-se disso tudo
braços abertos ao pular das pontes só pra sentir o vento
sorrindo

as lembranças também estão sempre a olhar para o sol
e durante a noite elas vivem aquele denso pacto mudo de serem solitárias


mas eu sempre soube,
um girassol cabisbaixo esperando o dia raiar é pura vida
há potência ali abraçando o ar com as mais poderosas verdades
vociferando pro mundo tudo sobre o futuro

há que se prescrever pequenas belezas
os girassóis sabem disso

são nessas madrugadas
onde o dia ainda titubeia nas linhas das horas
e o pensamento vagueia inerte nos tictacs imaginários
é que está o segredo
do amor

o amor é sempre sozinho
alucinando paixão à dois

o amor é sempre à dois
apaixonando-se juntos numa simbiose nua
por verdades tão plenas logo ali no paraíso
que já escapam rápidas nas brechas do piscar os olhos

ah!
se não fosse a eternidade fugidia
desse intenso segundo antes do piscar (lá onde vive o sol)
ninguém amaria...